quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

CURADORIA EM PROCESSO, CONTINUAÇÃO


30. flutuantes

Ficção cientifica ou documentário? da gênese ao provável fim de tudo (ou recomeço de um novo mundo) na gargabe island, Flutuantes consegue transitar por terrenos transparentes e complexos que tem a ver com o fluxo das marés e das correntes de ar do planeta (além de outras correntes de pensamento e siderais/interplanetárias). Luiz Bispo & Paulo Paes: personagens/gêmeos na construção de suas engenhosas obras (Casa Flutuante e Fisálias,respectivamente).  Maraberto. Maradentro. Outras possibilidades de viver, fora da "grande gincana" que parece ser o único modo de vida possível para sobreviver. Para estas figuras, existem outras prioridades. Mas o filme não é sobre Bispo ou Paulo, é sobre o fluxo livre de pensamento, de arriscar uma possibilidade de traçar outros caminhos na terra/mar.

Pensamento e ação direta(física). quantidade e qualidade.montagem atonal. nuclear(quantidade na qualidade). Filme Novo. Novas formas. Da caverna caxangueira das montanhas da antiga rua petrópolis para mares do cine mundial transatlântico. Curiosamente o filme vai estrear numa cidade sem mar, no interior de minas. mas se até o balão, que é também oferenda as divindades,  pode e deve se perder no céu ou na terra o que poderá acontecer com flutuantes…

um classico trans/atlântico, sem perigo de naufrágios. mas provavel é que voe com os balões/oferendas para telas de outros mundos.

obs. o filme foi inscrito na mfl 2013 e após sua seleção em tiradentes, seu diretor optou por retirá-lo da mostra este ano. pior pro filme.



31. profissão drag queen

doc institucional sobre o mercado em torno dos shows/performances de drag queens em sp. informativo / didático / não acrescenta nada aos filmes já feitos sobre o tema.


32. cabrabode

ficção trash sobre ser possuído após ingerir testículo de bode. meio mazzaropi meio bruxa de blair, abusa da folclorização caipira na direção de atores/diálogos. trash ? 

33. isabella
reconstituição documental /doc investigativo do caso isabela, criança morta por seus pais em são paulo. fotografias e ilustrações cedidas pela pm cobrem os depoimentos na narrativa, que segue um fluxo de reportagem. fotografias se repetem e torna o discurso da delegada, narrando a trajetória das investigações o único ponto de interesse da narrativa, mas soa um pouco como uma espécie de reportagem do fantástico estendida…no fundo fica uma pergunta: pra que serve um filme como esse?


34. construção
documentário de família, com imagens de arquivo e imagens atuais. trajetória de uma criança viajando entre brasil e cuba, filha de pais separados(?), pela geografia mas unidos pela arte. mescla documentário com uma certa experimentação de formatos(video e película), mas não vai além de um filme processo , uma tentativa de construção de uma historia de vida. uma reflexão sobre pátria e família, arquitetura e afeto. laços de família. o filme acaba se perdendo por tentar abraçar tantos temas, sem falar do didatismo excessivo da primeira parte da narrativa, que acompanha o olhar e as reflexões das crianças e seu diálogo com os adultos.a segunda parte é centrada na separação de uma família, o vazio, a solidão, a desunião. uma reflexão sobre a arquitetura como metáfora da criação de um espaço de afeto. não sei dizer se o filme funciona.

35.a câmera e o close,ele e o céu…
exercício experimental p&b e cores. um yuppie em crise. solidão e a cidade. corta para uma seqüência com chuva e o filme acaba. nonsense demais. vale como exercício.


36. essa maldita vontade de ser pássaro.
bailarina em crise, tentando sobreviver num mundo frio e cordial. a textura granulada e as pontas de filme veladas de super8(ou 16mm) tentam acrescentar um certo tom de experimental, mas não convence, há uma tentativa de dramaturgia calcada no sentimentalismo que beira os clichês mais superficiais(pássaro na gaiola/prisão/vôo do pássaro/liberdade e por aí vai)…o filme no fundo é uma ficção naturalista, com bela direção de arte e fotografia. mas  o experimental se dilui no texto e diálogos fracos. experimental virou clichê? os números musicais burlescos apresentados ao longo da fita até que divertem e servem de contraponto ao drama existencial da protagonista, mas não sustentam os 80 minutos do filme.

37.lucifer
luz e trevas.citações da bíblia(apocalipse).um filme estranho, difícil de decifrar, ensaio audiovisual que vai além de uma religiosidade primária e do teatro do bem e do mal. filme episódico, irregular, mas seria um pecado não mostrá-lo.david lynch e jodorovsky iriam gostar de vê-lo. uma viagem.

 38. steve cicco
pastiche de filme policial americano, com direito a muito clichê e muita tosqueira. sem humor e sem nenhuma invenção.

39. vou rifar meu coração

documentário sobre as raízes da música brega/sertaneja. cantores, compositores e intérpretes da música brega são apresentados em entrevistas que partem de uma intimidade impressionante. brasil interior. casos conjugais, traições, paixões alucinantes. um certo fascínio exagerado da diretora pelo tema tira um pouco o brilho do filme, que não faz mais do colocar em pauta este sub gênero musical, extremamente popular, tosco e sentimental. algumas  seqüências, em especial a cena dos caminhões na estrada noturna, valem o filme.


40. sob luz e sombras
doc observacional sobre fotografo diletante, sua relação com as modelos(divinização,paixão momentânea), e sua relação com seu laboratório, seu material fotográfico e suas fotos (seu tesouro). interessante a proximidade documentarista/personagem. levanta questões interessantes como fotografia e internet, photoshop versus ampliação analógica, em laboratório, fotografia e dinheiro. uma fotografia como afeto, memória. a partir da metade do filme começa a se repetir na fórmula fotografo-encontra-modelos-que-escolhem-as-melhores-fotos. também não acrescenta muito o making of dos ensaios fotográficos. mas ainda assim um documentário acima da média.

41. o veneno da jararaca
institucional sobre questão da biodiversidade/patrimônio genético brasileiro. informativo.1

42. pastinha
filme educativo sobre o mestre da capoeira angola. belas imagens de arquivo e final memorável com uma roda de samba com nelson sargento, mas a narração didática de milton gonçalves e o caráter informativo da obra tornam o trabalho muito burocrático, embora tenha um valor para o estudo da história da capoeira no brasil.2


43. rua dos bobos
uma tentativa de filme kafkiano , em que protagonista entra numa trama aparentemente absurda, e acaba se acostumando ao próprio caos. um filme que acaba não se resolvendo muito bem, entre a proposta e o filme, entre o roteiro e a realização. 2.5


44. caos sem teoria
um filme pretensamente experimental, que cita a teoria do caos e orson weller em seu material de divulgação, mas que tem nas cenas de abertura uma seqüência de tomadas aéreas de paisagens turísticas do rio é de uma contradição difícil  de aceitar. a trama segue sem surpresas e experimentações, tão anunciadas em seu relesse promocional, mas que não são colocadas em prática na forma do filme. as vezes a direção é de novela da record, as vezes tenta uma certa ousadia na montagem, mas não salva o caos do caô.

45. lage dos sonhos
eco video institucional sobre incrível paraíso ecológico no litoral de santos.belas imagens subaquaticas.globo reporter genérico

46. cat effekt
sketches livres em 16mm riscado (na revelação?). um estranho mundo entre o leste europeu e a mente entorpecida de uma misteriosa polaca. estranho.bizarro, embora sem o vigor criativo de Eternau. Vale pelo estranhamento.

47.a visita do rei
o povo do xingu e o saudosismo dos tempos da visita do rei da bélgica, em 1964. partindo deste tema central, das memórias da época da visita do rei e das transformação da aldeia de lá pra cá. nao consegue ser nem filme de protesto nem doc antropológico,e ainda por cima tem o equívoco de usar uma cartela de abertura com a seguinte aberração: "o filme e a autora são apoliticos" .

48. meu pai é figurante

Apesar do DVD não tocar na íntegra, parece ser a nova comédia do verão (assisti o trailer no youtube).  Com Dedé Santana e grande elenco. Mais pra Curta Cinema que pra Mostra do Filme LIvre.


49. pulsações
doc feito em torno da família da diretora, com entrevistas com pais, irmãos e amigos.
um filme de memórias em família. nesse sentido se aproxima de Doméstica, mas se perde no vazio de perguntas banais, respostas
pré-fabricadas...uma tentativa de construção de uma árvore genealógica em audiovisual, mas a não ser por uma certa crítica a uma situação social bizarra(principalmente na entrevista com o casal paulista que anda de carro blindado).

é um filme de memórias esquecivel. daria pra citar dezenas de cenas que podiam ser cortadas pra evitar um constrangimento maior: pai leva uma queda durante entrevista em video-cassetada desnecessária na montagem, mãe (ou avó) reclama com empregada que o suco está ruim durante almoço…e por ai vai…ou seria isso o filme?

o discreto charme da burguesia paulista em auto-retrato quase insuportável em alguns momentos. numa seqüência do filme o pai, entrevistado, pergunta a filha-documentarista:"quando você vai acabar com isso?acaba logo…".



50. a floresta de jonathas
um filme de poesia sutil, rara produção amazônica que não apela para "tradições" folclóricas/ecológicas. o velho e o novo. índio toca guitarra elétrica na alucinação do personagem perdido na floresta (que já lhe pertence). uma gringa e um caboclo em quase love story poética. boa direção de atores, no tom, sem exageiros, sem piadas fáceis. Uma reflexão sobre a presença dos estrangeiros na amazônia (nem sempre biopiratas), e a relação homem-floresta, sem panfletos eco/lobistas. até a participação de um ator bem conhecido (Chico Diaz) consegue ser sutil e inteligente, em poucas falas. Ele é quem  abre a mente do pai, um ogro da floresta, em relação aos filhos e a liberdade. um filme de invenção vindo de um lugar inusitado.



51. só mais um caso
tosco filme de detetive / adultério. detetive galante. mulher sedutora. plano e contraplano. sem novidades. clima de suspense mais que lugar-comum.

52. margaret mee e a flor da lua
Diário de viagens da inglesa Margaret Mee a região amazônica, com objetivo de pintar em aquarela flores exóticas/espécies raras da floresta. apesar da personagem ímpar, a abordagem é de documentário tradicional, com o esquema depoimentos de amigos/especialistas/companheiros de trabalhos, imagens de arquivo, voz em off narrando trechos de seu diário etc. vale para botânicos, biólogos e ecologistas em geral.

53. as horas vulgares
um filme de despedidas e reencontros. da comemoração de um reencontro. desapego e afetos entre-cruzados. uma vida fora da rotina, poética, marginal. um filme de comportamento de uma certa geração sem muitas perspectivas, com muitas mágoas e poucas alegrias, desperdiçadas em noites vazias. uma geração em bad trip.
é interessante notar que os personagens não se enquadram em tipos urbanos facilmente digeríveis. não são profissionais em crise, são artistas buscando algo novo,em que possam se inspirar.
seqüências independentes versam sobre temas diversos: amizade, ciúme, religião, sexualidade.a bela fotografia em preto-e-branco remete aos primeiros trabalhos de Cassavetes e Jim Jarmush.  a montagem segue o som jazzístico em alguns momentos inspirados.


54. doméstica

Partindo do mesmo dispositivo do documentário "Pacific", exibido na Mostra do Filme Livre 2011, o diretor Gabriel Maskaro articula vídeos realizados por 7 adolescentes sobre suas/seus respectivas(os) empregadas(os) domésticas(os) e propõe um olhar contemporâneo sobre o trabalhado doméstico, a relação com a família. O que é um dado aparentemente periférico, acaba se ressaltando, em alguns momentos, e personagens potentes roubam a cena de seus jovens diretores.

Acabe vindo a tona a questão da exploraração do uso da imagem dos seus personagens (vale lembrar, é um filme sobre os empregados feito pelos filhos de seus patrões). A situação "passiva" dos empregadas/os, que são filmadas/os pelos filhos de seus patrões, e muitas vezes flagrados em situações ora cômicas, ora constrangedoras, incomoda. Mas este incômodo interessa ao filme ou seja é um filme sobre classes, feito pela classe dominante.

A desconstrução do empregado como membro da família vem a tona. E toda uma construção de um "lar ideal", ideologia que por obrigação profissional os empregados ajudam a manter… Uma situação ímpar é a da filha de uma empregada que filma a própria empregada.

Outra cena, da empregada dirigindo ao som de música brega, é antológica. Sua aspiração e dignidade em procurar outros ofícios, dentro do lar…

A relação dos personagens com a câmera/uma aparente intimidade com os enquadramentos e a maneira de filmar dos adolescentes é um documentário a parte.


55. desvios diários

Vídeo pílulas quase aleatório que funcionam, segundo seu autor, como vídeos independentes, mas juntos formam um média de 30 minutos. 1. video caseiro filmado na bahia,em 14 de março, 2. os espíritos da floresta vivem em cajamar, video mudo eco-espiritual, 3. outro video caseiro, desta vez situado no rio, narra um passeio ecológico nas paineiras, e é uma tentativa de documentário espontâneo sobre um paulista no rio, contando idéias pra roteiros, maneiras de explorar o foco automático e o zoom digital, entre outras questões, mas fica no meio do caminho, entre o experimento , video caseiro e o doc. 4. uma viola triste e uma despedida. 5. chuva e enterro.homenagem a j.ferreira,critico de invenção, suicidado precocemente.


56. a balada do provisório
primeiro longa de  felipe david rodrigues, lembra algumas produções boca do lixo(especialmente Império do Desejo de Carlão Reinchenbach, mas  também Mulher de Todos, Bandido da Luz Vermelha(Felipe é sganzerliano)…um filme cafajeste contemporâneo numa era de politicamente correto. Helena Ignez e Otavio III homenagenados.  E o cinema da boca do lixo re-filmado no Rio de hoje. Bela fotografia p&b de Daniel Neves.


57. nas minhas mãos nao quero pregos
doc sobre artista e escultor mineiro M.Araújo, gravado a partir de imagens de arquivo inusitadas, com cortes pouco usuais.  de sua natureza religiosa e artística, entrelaçadas, sua personalidade e convicção de isolamento, solidão criativa e desfiliação de qualquer outra corrente artística mineira chamam atenção, mas acaba se tornando por demais didático/informativo.


58. belo monte anuncio de uma guerra
Doc político sobre a situação da construção de Belo Monte e as conseqüências para o município de Altamira, que terá terras inundadas e o aumento da população desordenada, em função das construções. A situação dos índios, que terão que desocupar suas terras é abordada com pertinência neste doc de protesto. Como o vídeo já foi muito difundido na internet e tem uma função específica de mobilização, não acredito entre na grade de programação da mostra livre. Mas é um interessante instrumento político.


59. vertigem branca
Filme cíclico, com seqüências interdependentes. um poeta tocando peças aleatórias em um celo.  um  casal dança tango ao som de bolero eletrônico e um samba/rancho em terrenos baldios. música de Noel Rosa e Francisco Alves assumem um suposto "lugar" dos diálogos ("Você vai se quiser/Toda mulher não se deve obrigar a trabalhar…"). Interlúdios em preto e branco entre o documental e o poético.
Algumas seqüências dialogam com video-arte (seqüência na banheira, morena banhada no leite/água branca), a dança da bailarina
na janela da ruína de uma casa. a repetição da musica do poeta, em seu celo. cinco belas mulheres semi-despidas em festa a fantasia. arquétipo das pombas giras na mente do diretor ou do poeta?
Na maioria dos planos,  dispensa luz artificial e busca locações naturais e lugares desconstruídos pelo tempo. Em off, o personagem/poeta  "busca sua própria ruína…". Fantasmas de mulheres selvagens a sua volta…

60. ouvir o rio: uma escultura sonora de cildo meireles
A experiência de gravar diferentes rios da américa em som direto e transformar num vinil. som / ambiente , um trabalho de pesquisa sonora, uma busca da dimensão espacial/invisível através de diferentes rios no brasil / america latina. a trajetória de um sound designer em busca de matéria prima pro artista.  de um barco próximo as cachoeiras de iguaçú  ao planalto central, passando pela nascente do rio da prata, rio são francisco e pelo surf na pororoca no rio araguari, no amapá. uma reflexão do sentido do som, da identificação do som a uma busca da trajetória dos rios (da nascente a foz)…uma breve reflexão sobre as artes e o público, qual aceitação (pública) de uma obra, uma auto-ironia do artista Cildo Meireles sobre sua própria obra("não foi um sucesso de público como os discos do Roberto Carlos…"). Um processo semântico a partir de um palíndromo "rio-oir", os dois lados do disco de vinil (onde o som editado dos rios e dos risos serão mixados e prensados). reflexões sobre a utilização da água, da energia hidrelétrica, o rio como fonte de energia e sobrevivência perpassam a obra e soam como nuances sociais em torno do documentário.
                                                                                                                                   por Chico Serra

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